sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Os textos e as entrelinhas ...

Há uns anos ao ler um livro de Alice Vieira, escutei uma voz de menina que comentava estupefacta: o grande cuidado que se tem com as coisas e o pouco cuidado que se tem com as pessoas! ( A Alice é fabulosa , nesta coisa de falar nas entrelinhas)

Veio-me esta frase à lembrança, a propósito de uma carta que recebi no dia 30, de um colega ( dirigente e meu superior hierárquico ) que terminando a sua relação laboral com a organização que sirvo, regressa agora, envolto em silêncio, à sua escola de origem. Durante alguns anos trabalhamos juntos, disputando recursos, partilhando projectos, divergindo em pontos de vista,convergindo noutros. Tivemos pouco tempo para celebrar sucessos.( O SUCESSO em cultura é sempre algo que demora muito tempo a celebrar)... terminava a sua carta dizendo:
" Com a consciência do dever cumprido, termino com uma frase do “nosso” Bento de Jesus Caraça, escrita em 1933 : “A aquisição da Cultura significa uma elevação constante do Homem; significa, numa palavra, a conquista da Liberdade”... surpreendeu-me e tiro-lhe o chapéu pela coragem, pela elevação e dignidade como geriu todo este processo, no mínimo nebuloso.
Não discuto, a legitimidade democrática de quem decide, mas impõe-se - não ficaria bem com a minha consciência se não o dissesse - tratar as pessoas com dignidade, pois considero que a dignidade é um bem precioso.Talvez a última fronteira entre o Homem e as Bestas.

No momento em que se fecha um capítulo desta dimensão, na vida de alguém, uma frase nunca é escrita por acaso e senti-me desafiada a buscar o texto integral da conferência de Bento de Jesus Caraça "A Cultura Integral do Indivíduo - Problema central do nosso tempo" , realizada na União Cultural «Mocidade Livre» em 25 de Maio de 1933), a ler as reflexões expressas na conferência mas, sobretudo, a ler nas entrelinhas, muitas outras coisas.

Umas quantas frases ficaram a latejar-me na cabeça ( como pedras lançadas a um charco, gerando ondas... ondas) partilho-as agora de forma um pouco avulsa .
cit.BCJ:
E aqui reside o grande drama em que, de todos os tempos, se tem debatido a humanidade -condenada a só poder evolucionar e progredir sob a acção vivificadora e fecunda de alguns dos seus indivíduos, ela vê-se ao mesmo tempo impotente para impedir que esses indivíduos se transformem em seus verdugos. Ela assiste, incapaz de o evitar, à criação das castas que são como outras tantas sanguessugas sobre o seu corpo, sem, ao menos, lhe restar a solução de as eliminar, porque isso equivaleria à sua morte no pântano estéril da incapacidade.
(...)
aquelas elites propulsionadoras, em cada período histórico, do desenvolvimento científico, literário, artístico, foram realmente aquelas que, nesse período, ditaram a forma de constituição da sociedade, a orientaram, regulam o seu funcionamento orgânico?Por outras palavras, elite científica e cultural e classe dirigente,são a mesma coisa? Ou, melhor ainda, a primeira está compreendida na segunda? Uma consulta à história fornece resposta imediata pela negativa.
É abrir esse grande livro e prestar ouvidos aos queixumes e protestos com que aqueles homens verdadeiramente de elite, aqueles que, alguns séculos mais tarde, dão o tom ao mundo da alma e do pensamento, respondem às perseguições que os seus contemporâneos das classes dirigentes lhes movem
.
Incompreensão completa duma forma nova de pensar, temor de que um ataque à rotina abale os alicerces de um poderio egoísta, de natureza espiritual ou material, vários são os elementos que se conjugam para fazer desses homens um grupo à margem, que só à força de heroísmo conseguem conservar aceso, e transmitir às gerações seguintes, o facho da cultura.Passam-se ao menos as coisas de maneira diferente no século em que vivemos?
Devemos confessar, em homenagem àquilo que temos como a verdade, que, apesar de as condições actuais de vida, constituírem dentro de certos limites, um meio mais propício para a luta de ideias, não deixa porém de ser certo que a actuação das elites, sempre que queira exercer-se contra os interesses da classe dirigente, está sujeita a perigos análogos aos de outros tempos.(...) Mas, se a identificação de classe dirigente e elite cultural nunca se deu nem se dá, para quê o pretender estabelecê-la?
Razão evidente e única – porque a classe dirigente, não tendo que fazer de momento, nem necessitando, dessas
antecipações geniais no domínio da ciência e da cultura (aos seus autores é dada a liberdade de morrer na miséria), precisa no entanto daquilo a que podemos chamar valores científicos e culturais de segundo plano, a fim de adquirir uma base mais sólida de existência e domínio. E como, por outro lado, ela sabe bem que mal vai o seu poderio quando ele é exclusivamente de natureza material, fabrica, para seu uso próprio, um conceito novo de elite, deformador do verdadeiro, e, armada com esse conceito novo e servida por aqueles que se prestam a dar-lhe corpo, pretende aparecer como suporte único do movimento cultural, relegando para o domínio do subversivo, a que é preciso dar caça, tudo aquilo que contrariar os seus cânones.
Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica, é um certo grau de saber(...)
O trabalho de submissão, de lamber de botas, da parte das chamadas camadas intelectuais, tem sido duma perfeição dificilmente excedível. Digamos, para irmos até ao fim, que os mais excelsos nesse mister são frequentemente aqueles que, partidos das camadas ditas inferiores, se guindaram, umas vezes a pulso, outras em acrobacia de palhaço, a posições que deveriam utilizar para defesa dos bens espirituais e que só usam para trair -os seus antigos irmãos no sofrimento.
(...)
o homem culto? É aquele que tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence;tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima e fim último da vida.

Ler nas entrelinhas é sempre bom e entre as linhas da frase com que se despediu, o meu colega deixou muita coisa . Deixo-lhe também nas entrelinhas um abraço:


regressando a BJC com uma última e fundamental reflexão:
"Só figuram de folhas caídas, para uma geração, aquelas gerações anteriores cujo ideal de vida se concentrou egoisticamente em si e que não cuidaram de construir para o futuro, pela resolução em bases largas dos problemas que lhes estavam postos, numa elevada compreensão do seu significado humano. Essa concentração, egoísta tem um nome ,traição, e, se hoje trairmos, será esse o nosso destino - ser arredados com o pé, como se arreda um montão de folhas mortas.E não queiramos que amanhã tenham de praticar para connosco esse gesto, impiedoso mas justiceiro, exactamente o mesmo que hoje nos vemos obrigados a fazer para com aquilo que, do passado, é obstáculo no nosso caminho ".

A austeridade é uma ideia perigosa

Mark Blyth explica porquê e até arrepia perceber que o povo tem quase sempre razão : Quando o MAR BATE NA ROCHA QUEM SE LIXA É O MEXILHÃO.
Que o 2011 que se aproxima seja um ano de celebração da capacidade de reflectir e de mudar.


Obrigada Maria Só( pela dica)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

UMA BOA RISADA ...



Já sei o que vos vou oferecer de prenda:
uma boa risada.
e um DESEJO :
que todos os dias do NOVO ANO sejam uma celebração da capacidade que o ser humano tem, de permanentemente se reinventar.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um Abraço Carlos


Caro Carlos
São 22.30h e acabei de saber que o menino já partiu. Ainda guardo o nosso último mail:
Cristina, mais-que-nunca-queridíssima amiga minha,
Lindo é o texto que me enviou, celebrando o laço perene que nos une através do nosso Joaquim - que ainda há dias celebrei, em cerimónia pública, mas que continuo a celebrar na memória grata que nos legou. Lindo, lindo o seu texto, Cristina! Ora veja lá como são as coisas: a menina é que faz anos e eu é que recebi prenda tamanha!
Dia feliz, Taquelim. Daqui convoco o Mestre para a saudar também.
Um beijo muito amigo,Carlos
Um Abraço Carlos... se puder, dê também outro aos meus, que já aí estão ...

sábado, 11 de dezembro de 2010

Beja também é notícia no WikiLeaks...

Depois de todas as grandes Capitais do mundo terem sido notícia no WikiLeaks, chega a vez de Beja . Num dos seus dossiers sobre Portugal, a WikiLeaks revelou que afinal a ideia de substituir os Jantares de Natal dos funcionários da administração local, por açordas partilhadas, onde cada funcionário é convidado a levar a sua posta de bacalhau, foi uma ideia de Sócrates.
Quando chamou os presidentes socialistas ao Rato, Sócrates logo a seguir às medidas de austeridade anunciados para os Funcionários Públicos em Janeiro, propôs que se criasse, em cada Município Socialista um lema de solidariedade.

Beja terá sido a primeira a tomar a iniciativa, criando como Lema “ Unidos pelo Bacalhau”, à qual se vai juntar também Mértola com o lema : Unidos pela Cabidela – cada funcionário levará um quarto de frango, enquanto Évora optará por um “Unidos pelo Cação” , sugerindo que cada funcionário leve uma posta de cação.

O Dossier adianta que esta estratégia será parcialmente seguida pelo próprio governo e Sócrates, no dia em que fizer defesa pública dos Centros Novas Oportunidades, irá anunciar um novo lema para o País: Portugal Unido pela demagogia.

domingo, 28 de novembro de 2010

Ser solidário assim ,,,e aprender sempre !


Estamos sempre a aprender e ontem na minha primeira modesta participação no armazém do Banco de Alimentar aprendi muito. Aprendi que apesar da dureza dos dias, as pessoas ainda não perderam aquilo que as distingue das bestas. Aprendi que de Beja e arredores chegam toneladas de géneros e que estes são escrupulosamente pesados e contados para garantir que nos próximos seis meses, vão chegar a quem precisa. Depois passam por umas dezenas de mãos e são arrumados em dezenas de prateleiras: massas, leite, leguminosas, arroz, açucar, farinha, papas, etc. Depois são distribuidos por uma centena de instituições do distrito e destas chegam a uns milhares de bocas - cada vez mais...cada vez mais... Aprendi que para além do meu olhar sobre o pais de mansos que somos, para além da certeza de que mereciamos todos viver num país em que ninguém passasse pela humilhação de esticar a mão para pedir pão, que para além das minhas convicções ideológicas, há uma realidade incontornável de um estado negligente para com os mais fracos, para com os mais pobres, que nega o direito ao trabalho a milhares de cidadãos, e onde o exercicio de cidadania destes voluntários em Beja , milhares por todo o país, é fundamental. Li nos olhos dos mais experientes, dos mais engajados, a alegria e a preocupação, pois talvez só eles saibam as verdadeiras repercussões que pode ter uma campanha mal sucedida. Aprendi que não me interessa de onde vêm , nem os seus credos ou convicções religiosas, ideologicas. Aprendi que a única coisa que ali me interessa é oferecer o meu tempo, o meu corpo e energia à sua causa. Estou toda lascada. Doem-me os braços, as costas, o Nolotil já não me alivia a dor na anca. Doí-me a alma... mas sei que ontem quando de lá saí ainda lá ficaram, e, agora que escrevo, ainda lá estão, seguramente com também com dores e descarregam e pesam e arrumam e esperam , e desejam que, carregamento a carregamento, se possa cumprir o objectivo de todos : encher aquele armazém para os seis meses que faltam até à próxima campanha.
Obrigada pelo que ontem me ensinaram.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Como se cozinha um povo de mansos ...

Se queremos um povo de mansos, qualifiquemos as massas por decreto, formatando-as para marchar.
Criemos uma Escola sem chama, de professores esgotados pelo sistema e famílias escravas, vivendo para trabalhar.
Queimemos o País lentamente , com discrição.
Coloquemos nas direcções gerais, até mesmo dessas que tratam da leitura, alguém que se controle, um tonto, um amigo, mesmo que seja incompetente e depois, para dar um certo ar de seriedade e de contenção, hipotequemos anos de trabalho e investimento e que se extinga essa direcção.
Acabemos com essa coisa perigosa que são as bibliotecas, reduzindo-as à sua insignificância, suspendendo as aquisições de livros , reduzindo as despesas supérfluas como as revistas e os jornais. Que se coloquem nos lugares chave, os da nossa confiança, os boys do sistema, que se controle todas as fontes de informação, para que todas as opiniões sejam iguais.
Que se meta a vida cultural das cidades, do País, no calabouço e junto a ela o direito ao tempo, a poesia, e quem a diz, ou pinta, ou escreve, quem a pensa e aproveitem para limitar também a capacidade de cada sujeito de expressar afectos, emoções e conceitos.
Que as gentes passem os dias contando patacos e se preocupem exclusivamente com sobrevivência, que sejam o que têm e vivam sempre em competição e que se criem sistemas de avaliação de desempenho encostadas às progressões das carreiras, que se coloquem quotas para acordar a besta adormecida que há em cada sujeito e assim explorar o que de pior tem a natureza humana: o individualismo, a subserviência e a competição desenfreada.
Que se ataque em todas as frentes para que acordem todos os dias de mãos cheias de vento, a almas cheias de nada.
E se tudo isto não chegar que se renegue Abril e todos os seu valores, o estado Social e todos os seus horrores, os direitos sociais de quem trabalha e que este seja o único discurso que se escuta… o nosso eco … e fiquemos serenos, firmes a aguardar, os custos sociais do que aqui se está a cozinhar!

Há principios e valores que sempre irão abrir caminho !


Chove em Santiago e da janela do meu quarto, como num sinal de que o tempo tudo colocará no seu lugar, recortam-se as torres da imensa Catedral. Vim, em representação da organização em que trabalho, participar num simpósio sobre fomento à leitura, organizado pela Associação de Editores Galegos e bem acompanhada pelo “Papaleguas”, conhecem? É um tipo notável este Papaléguas, mais… é um ser humano, notável, naquilo que mais notável o ser humano tem: a generosidade. O seu trabalho consiste em andar ao volante de um bibliomóvel, levando experiências leitoras a aldeias de 20 ou 30 habitantes, a populações isoladas, envelhecidas, proscritas no seu exercício de cidadania, não porque não possam votar, mas porque tem baixas ou nenhumas competências de leitura e nenhuma voz social.

Nestes dois dias, assistimos à apresentação de projectos vindos de muitos lugares. Uns dirigidos a bebés e mães, outros dirigidos a jovens, outros em escolas, outros organizados por grupos de pais. Em comum todos têm a força das pessoas que os desenvolvem, a paixão com que lutam pelos seus leitores, o esforço por manter acesa a chama, mesmo com a danada da crise, os baixos orçamentos e a indiferença dos poderes políticos ou institucionais. A capacidade de resiliência desta gente que investe, pesquisa, se entrega, buscando, a diferentes vozes, cumprir a sua função social, é inspiradora! Como sobrevivem é uma incógnita.

Se os poderes, todos os poderes, fossem inteligente e pensassem genuinamente no desenvolvimento das suas comunidades, na qualificação humana das suas comunidades, no desenvolvimento económico e social das suas comunidades, fariam de cada projecto de leitura a sua bandeira e tratariam estes homens e mulheres e os projectos que protagonizam com o respeito que merecem.(...) Do que um homem é capaz (...) para levar de vencida uma razão de vencer . (...)A eles e a elas o meu abraço solidário

sábado, 6 de novembro de 2010

Lá está ela a meter veneno II !

Dizem que o Guerra Junqueiro tinha mau feitio. Talvez sim. Do que escreveu conheço um ou outro texto disperso e é claro , a Velhice do Pai Eterno, de onde fixei sempre este pedaço ...
O PAPÃO
As crianças têm medo à noite, às horas mortas,
Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,
Para as levar no bolso ou no capuz dum frade.
Não te rias da infância, ó velha humanidade,
Que tu também tens medo ao bárbaro papão,
Que ruge pela boca enorme do trovão,
Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,
Um papão que não faz a barba há seis mil anos,
E que mora, segundo os bonzos têm escrito,
Lá em cima, detrás da porta do infinito!
Fabuloso!
Mas escreveu mais . Em 1896, Guerra Junqueiro, na sua polémica "Pátria" traça a pincel, a sociedade portuguesa da época. Confesso que me soou a algo estranhamente familiar ...
O POVO ...
" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. (...)
A BURGUESIA ... lindo !
" Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. (...)
O PODER LEGISLATIVO ... tenho a sensação que já vi isto em algum lado ?!
(...) Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.(...)
A JUSTIÇA ... também me é familiar ...
(...) A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.(...)
... E POR FIM ... A CEREJA NO CIMO DO BOLO !
(...) Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."(...)
Percebo agora porque que o gajo era polémico e até parece que há coisas que nos estão na massa, no sangue.
Lá está ela a meter veneno!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Lá está ela, a meter veneno I !

A reinvenção da língua é uma coisa que me fascina... perceber como as expressões evoluem e assumem dentro de cada um de nós, novas significações.
- Lá estás ela a meter veneno !- dizem pensando que eu vou falar daquela montagem deliciosa de certezas absolutas do "antes de ser governo" e "depois de ser governo", partilhado no 31 da Armada. Talvez ... ora ilustremos...

Governo - grupo de malfeitores que tem o meu país como refém.
Mercados- há os internacionais que são os culpados da crise, os nacionais que se juntam à dança, o Mercado da Ribeira que tem música Africana, ao vivo na sexta feira. Há também os mercados " pode ser que um dia vejam a luz do dia ( como o Mercado Municipal de Beja).
Discussão pública - expressão usada para dar aquele ar de gestão moderna e que visa ouvir paternalmente e decidir autoritariamente.
Pilares de uma estratégia de desenvolvimento - expressão que designa um nº variável de elefantes brancos, entre os dois e os dez , mas sempre em pares para a coisa não cair. A expressão também é usada sempre que se prevê que uma montanha possa vir a parir um rato.

Na língua tudo muda e seguramente daqui a milhares de anos, o conceito Beja Capital - que norteou a campanha do PS - terá outra significação e pelo que vi do balanço de mandato do primeiro ano de governação, temo que ele venha a ser :
Beja Capital - cidade milenar . Gerida a partir de um modelo redutor de desenvolvimento .
- Lá está ela a meter veneno! - dizem. Nada disso!
Estive a ler com atenção o balanço apresentado e pareceu-me um balanço impreciso e pouco rigoroso. Não consegui ainda chegar ao balanço do primeiro ano de mandato da CDU, enquanto oposição, facto pelo qual , peço desculpa.
Para que não haja confusões sobre a minha boa fé, devo desde logo dizer que não tenho dúvidas que os executivos dos últimos 25 anos - 2010 inclusive - trabalharam o melhor que podiam e sabiam, para a cidade, num contexto especifico, apesar de ter e de ter tido , discordâncias várias, com todos.
A CDU trabalhou para a cidade com os meios de que dispunha, com as ortodoxias e convicções que a acompanharam - uma capital construida em cima de um conceito amputado de desenvolvimento o da " luta do trabalho contra o capital". E direi que também não tenho dúvidas que o PS é movido pela mesma energia e que trabalhará o melhor que pode e sabe, com os meios de que dispõe, mas também com as suas ortodoxias e convicções: uma capital construida em cima de um conceito do desenvolvimento económico desligado da identidade, da cultura e da memória.
- Lá está ela a meter veneno!
É que eu, que também quero o melhor para a cidade... procuro e não encontro, quem seja capaz de trabalhar para um modelo de desenvolvimento assente no crescimento das PESSOAS.
O que li, o que ouvi e o que consegui perceber nas entre-linhas, levanta-me algumas preocupações: é que ele este balanço , é um vazio de reflexão sobre as Pessoas e na longa e imprecisa lista de "feitos": em estudo, em projecto, em análise, em apreciação, em discussão publica, em concurso - há muita matéria herdada (sem que a isso se faça qualquer referência) há muito pouco concluido, nada é dito sobre o "COMO", nem sobre o que se teve, tem e terá de se hipotecar se continuarmos neste caminho.

domingo, 31 de outubro de 2010

Que País é este ?

Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,
outra um regimento.

Uma coisa é um país,
outra o confinamento.

Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno "Avante"
— e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um "berço esplêndido" para um "futuro radioso"
e éramos maiores em tudo
— discursando rios e pretensão.

Uma coisa é um país,
outra um fingimento.

Uma coisa é um país,
outra um monumento.

Uma coisa é um país,
outra o aviltamento. (...)

(Affonso Romano de Sant'Anna)

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Não sei o que tenho em Beja - ou crónica de uma estrangeira


Acordei das Andarilhas atordoada, dividida entre os acalorados argumentos dos opinion makers locais sobre as Palavras Andarilhas e a antevisão do impacto que as medidas anunciadas pelo governo - grupo de malfeitores democraticamente eleitos e que tem o meu pais com refém - terão sobre a minha economia familiar. (sobre isto escreverei assim que conseguir sair da fase dos impropérios que me saltam à boca, cada vez ouço a palavra GOVERNO)

Tem andado aceso o submundo da blogo esfera, ao qual, como perceberão, aderi muito recentemente. O tema de fundo era o carácter bienal do evento, o seu significado para a cidade de Beja e isto em contraponto com outros eventos do burgo – Beja Moda 2010, cantigas na Praça, Beja Wine Night - e vejo-me a pensar se deverei escrever sobre isso no meu primeiro post pós Andarilhas. Se deverei entrar nesta batalha do bem contra o mal, neste Sporting Benfica, neste solteiros contra casados, nesta guerra entre velhos e novos, entre o popular e o populista, nesta discussão entre o sociality e a reality.

Chego à conclusão que sim e tentarei fazê-lo discutindo conceitos pois considero que cada evento que surge num determinado território tem atrás de si um conceito. Falo especificamente das Palavras Andarilhas, mas até poderia falar de um Festival de Bd, de um Animatu, de um Festival do amor (brilhante ideia se não estou em erro por Pedro Ferro, esboçada de forma medíocre na sua última edição) de uma Moda Beja 2010, de umas Cantigas na Praça de uma Beja Wine Night – e abro todo este leque, porque considero que cada um destes eventos personificam conceitos diferentes de cidade.

Devo a mim mesma, este exercício de cidadania e devo-o também à organização onde trabalho e que desde sempre tenho ajudado a pensar, devo-o aos leitores e não leitores da cidade, aos técnicos de todas as áreas com quem tenho tido o privilégio de crescer, à minha equipa e até mesmo, aos vergalhudos que aproveitando a polémica e a sombra confortável do anonimato vão dando uma ou outra alfinetada confirmando que a misogenia está de boa saúde e a natureza humana já teve melhores dias.

Escrever sobre as andarilhas é falar de identidade, de memória, de património, de contemporaneidade, de todas as manifestações da palavra e tudo isto alicerçado num equipamento com um projecto – talvez o único equipamento da cidade que desde a primeira hora teve um projecto. Quando digo que cada evento personifica um conceito de cidade falo da cidade que temos e da cidade que queremos. Ou melhor, a cidade que os Bejenses querem para si, porque eu apesar de amar Beja, serei sempre uma estrangeira.

Usar a palavra como instrumento numa região que nunca teve voz, reforçar a identidade e a memória numa cidade que perdeu a relação com o seu mundo rural e necessita dessa raiz para se entender , valorizar o património – oral - de forma criativa construindo pontes com a contemporaneidade – a literatura , perspectivar a esperança de uma cidade leitora, é trabalhar sobre um conceito cultural gerador de desenvolvimento.

Não tenho nada contra o facto de se querer vender a ideia de Beja como uma espécie de Ibiza do Alentejo, uma espécie de Lux ou de Urban Beach a arrastar-se em gerúndios. Uma espécie de Ovicopos, com menos lama e sem touradas. Nada me move contra esta espécie de glamour, artificialmente marcado pelo ritmo alucinante dos Dj’s, iluminado pelo brilho dos copos e do gelo, onde fabulosos pares de pernas vestindo Augustos – estilista de enorme qualidade e de refinado gosto – marcam o ritmo e o caminho para esta espécie de “nova” urbanidade, que parece ter aterrado na cidade. Apenas estranho este desejo em ser uma espécie de alguma coisa, em criar um Jet Set local alimentado por figuras públicas secundaríssimas, artistas encostados nas prateleiras das televisões, cantores adiados que vêm até Beja animar praças, quando Beja tem os seus eventos originais. Beja tem público para tudo e até o que está formado e formatado por sucessivas exposições aos Fama Shows dos media e pelo livre acesso às revistas cor - de – rosa . Nada me move contra o vinho, cultura que prezo, que considero importante para a região, mas que penso deve ser tratada numa relação custo - benefício mais equilbrada.

Apenas lamento que se faça coincidir uma Beja Moda 2010, ao que sei com imensa participação, com a última noite de umas Palavras Andarilhas, as mesmas que com menos 60% de orçamento deram à cidade maior cobertura mediática que uma Beja Wine Night, as mesmas que diferenciam a cidade, de tudo o que se faz no pais. Apenas lamento que tantos anos depois, ainda não se tenha encontrado fontes de financiamento comunitárias e regionais que possibilitem Andarilhar sem a corda na garganta. Lamento mas não estranho. Pois tantos anos que levo em Beja, já me habituaram a sucessivos tiros nos pés.

Beja, que tem público para tudo, parece não ter capacidade de se sonhar como cidade, de sair dos estereótipos do glamour e do sucesso de plástico e acarinhar, também financeiramente, os projectos que fazem acontecer em Beja o que não acontece em mais lado nenhum.

Há muito tempo que as Andarilhas deixaram de ser uma espécie de qualquer coisa. São um evento irreproduzível, porque quem as pensou tratou de lhe dar esse cunho. São o resultado de um trabalho calibrado ao longo do ano, ao longo de muitos anos de uma pequena organização que não pode esgotar os seus recursos e energias num evento que dura 3 dias - que tem mais de 4 meses de preparação – e descuidar o trabalho do ano. .Acaso quem defende a sua anualidade sabe da dimensão da equipa que as promove? Sabe que no programa do encontro estão idosos que são acompanhados a partir do programa de leitura em meio rural e esse trabalho de recolha, de identificação e de construção de relação exige tempo e tem de ser cuidado? Que as sessões para público familiar ficam lotadas durante estes dias e são participadas pelos pares de pais e filhos que ao longo do ano frequentam os projectos continuados de formação de publico leitor. Alguém percebeu que a vinda de Chullage e Paulo Condessa assenta numa estratégia de captação de publico juvenil, de abertura ao ensino secundário e que a oferta para público escolar é o culminar de um trabalho desenvolvido em parceria com mais de 19 bibliotecas escolares. Acaso perceberam que as Andarilhas fazem a ponte entre linhas de investigação e o mundo da prática e que qualquer destes mundos precisam de renovar-se e que quem as pensa, precisa de tempo para ver, conhecer, estudar de forma a manter a coerência do evento e simultaneamente encontrar novas linhas de trabalho, de forma a trazer experiências diversificadas a todos os andarilhos onde estão mais de 50 mediadores de leitura do concelho e que acedem gratuitamente ao encontro ou a actividades de natureza formativa nele integradas.

Será que alguém percebeu isto? Onde estavam os defensores da anualidade das Palavras Andarilhas quando, neste ano de crise, se cortaram - é público - as verbas na área cultural da cidade? Acaso perceberam que desde Março de 2010, o acervo infantil vive das escassas doações de editoras ou de autores? Acaso perceberam que por questões de natureza financeira se sacrificaram mais de 50% das actividades que as Andarilhas tradicionalmente levavam às crianças e adultos de Meio Rural. Acaso perceberam que o Animatu deixou de realizar-se? Que o Festival de Bd foi feito por obra a graça de dois Espiritos Santos.

Passar as andarilhas para Bienal foi uma questão estratégica e técnica de quem pensa responsavelmente no que faz, de quem sabe o que anda a fazer e é responsável pelo crescimento saudável de um projecto fundamental à cidade, à nossa cidade. A vossa cidade.

Vinte e muitos anos vivendo em Beja e sei que serei sempre uma estrangeira mas, apesar deste amor desavindo estou grata a Beja e devo-lhe estas linhas.
Foi em Beja que aprendi a competir e a lutar, que abandonei dogmas e descobri na solidão a minha voz social. Foi em Beja que fiz as primeiras asneiras das primeiras autonomias e cresci profissionalmente. Foi em Beja que encontrei quem incondicionalmente me ama, que pari e que as minhas filhas tiveram o seu primeiro sangramento. Foi em Beja que cresci profissionalmente e tive as minhas primeiras grandes perdas e é por isso que me atrevo a escrever o que escrevo e a pensar o que penso e criticar o que entendo ser criticado, na cidade e na organização a que pertenço.

Estarei sempre grata a Beja por me permitir viver a experiência intensa e arrebatadora que participar num processo como este . Fazê-lo é uma graça, um privilégio que agradeço a todos os que nestes anos andarilham ao nosso lado: à pequena equipa que desde a primeira hora e todas as vezes, está presente, e aos outros que nestas horas vem ajudar, aos muitos narradores e especialistas de tantas áreas que trazem o melhor que fazem a Beja , aos muitos voluntários, a todos os que delas cuidaram, aos que e as aproveitam para crescer, para aprender, para sonhar e se divertir e agradeço até aos que nunca nos apoiaram ou o fizeram contrafeitos sem alguma vez terem percebido o seu conceito, o seu papel transformador. Todos me dão a incerteza do caminho e nela a Utopia de continuar a fazer das Bibliotecas “ o lugar onde moram as palavras”: a palavra liberdade, a palavra memória, a palavra identidade, a palavra PALAVRA .

Durante os mais de 3 meses de gestação de mais uma edição, a cada sucesso, a cada revés, a cada vitória ou decepção, lembrei-me muitas vezes do Mestre. Ele sabia a cidade que Beja poderia ser, se ousasse!
Agora… que já disse o que me anda há três semanas a doer-me no peito, há 4 meses a encher-me a cabeça, há uns 11 anos a corroer-me a alma, … vou cuidar de mim!

domingo, 29 de agosto de 2010

Assim não vamos longe...


Moro numa aldeia pequena, na parte mais velha, num pequeno largo meio abandonado ao sossego e à canícula dos milenares agostos alentejanos.
Pouca vizinhança, quase todos velhos, uma ou outra família mais numerosa - a quem um dia hei-de perguntar a receita de fazer render dois ordenados mínimos, para 7 pessoas – um ou outro rendimento social de inserção. Em comum tem uma história de baixa escolaridade e endémicas exclusões.

O Estado Providência, sério, pediu-lhes , num destes dias para apresentarem prova da sua situação , medida deste logo bem recebida pela populaça , sedenta por ver cortados os “ benefícios “ a essa “gentalha” dependente do rendimento social de inserção. O Estado Providência pede-lhes prova obrigatória pela internet ...
o mesmo Estado Providência que fecha os olhos aos Off - Shores,
o mesmo Estado providência que paga ordenados milionários aos gestores de empresas públicas, que por não terem concorência , estão predestinadas ao sucesso, ( e que tal rodarem num CP, para que esta dê menos prejuízo );
o Estado Providência que se dá ao luxo de desbaratar anos e anos de fundos comunitários numa politica de acessibilidades obsoleta, numa política de saude desastrosa, política de justiça suspeita ;
o Estado Providência que ao longo destes anos criou centenas de mecanismos de parasitismo e lobbys, no poder politico - quase transformado em casta – mas também no poder diplomático, no poder judicial; nas empresas públicas;
o Estado Providência, que após 36 anos de democracia, ainda não foi capaz de gerar mecanismos de combate à promiscuidade entre a politica e a economia, promiscuidade entre os interesses partidários e os interesses do país, entre os interesses de alguns e o bem de todos;
o Estado Providência que perdeu o sentido de serviço público e que durante estes anos , colocou o nosso sistema educativo à deriva sem conseguir , pelo menos nas questões essenciais criar um pacto de regime, estável;
o mesmo Estado Providência que permite que altos responsáveis pela área financeira de autarquias digam que se pudessem fechavam bibliotecas;
Pois é mesmo este nosso Estado Providência, que enviou uma carta a mais de 2 milhões de portugueses , beneficiários do rendimento social de inserção e subsídio social de emprego, onde refere ser obrigatória a prestação de prova de rendimentos utilizando os recursos electrónicos do Sistema - site da segurança Social : - “ As provas são obrigatoriamente efectuadas no sítio da internet , em www.seg-social.pt, para que deve ler, com atenção as instruções que seguem nas folhas em anexo…” e seguem-se as medidas penalizadoras para a prestação de declarações erróneas. EXTRAORDINÁRIO! Que estado rigoroso! Que administração tão moderna!
Com malabarismos destes, no meu Portugal utópico, no meu Portugal de Abril, os pobres que já perderam os meios de subsistência, estão agora também a ser espoliados do seu direito fundamental: o direito à dignidade.

Pedir a um subsidiado que apresente a sua declaração de rendimentos recorrendo a meios electrónicos, pode significar muita coisa e nenhuma, abonatório para o estado providência: imaginação delirante, insanidade total, uma crença cega no plano tecnológico nacional, um erro técnico, a ideia de que o Simplex eleitoral deu buraco; uma falta de respeito por mais de dois milhões de analfabetos funcionais, info excluídos... " Tenho - pelo meu país - um grande amor, marcado pela dor ...!( há grande Mário ! ) "

Estes gestos descredibilizam o discursos de rigor e seriedade na gestão do interesse público e revelam a demagogia desta enormíssima manobra de marketing político, oportunista , mais uma, que apenas serve para apaziguar ânimos e branquear o estado a que o país chegou.

A Segurança Social Portuguesa, já devia ter instituido uma regra que obrigasse os seus utentes subsidiados, à apresentação semestral ou anual de uma declaração de rendimentos. É que todas estas pessoas , supostamente , estão a ser acompanhadas por equipas técnicas, que reportam regularmente a informação aso serviços. Como é possível pedir que isto se faça pela internet? Não se conhece o perfil dos utentes destes serviços? Porquê esta abordagem massiva? Para jogar com a mediatização da medida e dar um sinal - ao país que tem trabalho, que desconta, que suporta, que está descontente- de que existe uma política de rigor governamental .
Uma medida desta natureza só tem um objectivo, iludir o povo e dar uma aparente seriedade e ar de modernização ao sistema e já agora , no meio deste malabarismo mediático, poupar uns trocados.

O poder está cada vez mais arrogante e os pobres cada vez mais humilhados. Afinal de contas a quem serve este Estado Providência?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Há coisas que me dão anos de vida.


Há coisas que nos tiram anos de vida : uma milagrosa dieta, perder o rasto de quem amamos, organizar um evento assim com a dimensão das Palavras Andarilhas.

Apesar da minha fama de exagerada, fama e proveito, tenho a certeza que não exagero quando digo isto.

Fazer as Palavras Andarilhas , durante estes 11 anos, deve ter tirado anos de vida a algumas pessoas naquela casa...

mas ...

a alegria de nos podermos abraçar

a emoção de aplaudirmos de pé , o cantar da Tila

a energia de nos emocionarmos todos junto ao escutar o canto de embalo da Virgínia Dias

o prazer das gargalhadas face ao gesto exagerado de um narrador

a transformação pessoal e profissional, provocada pelos ecos de todos os que por aqui passaram

a consciência do dever cumprido

deu-nos tantos...tantos anos de vida...



Há coisas que me dão anos de vida: as dietas, o previlégio de viver na memória das pessoas que eu amo, as palavras andarilhas.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Tudo Passa!

A minha cidade está doente e pardacenta. As ruas despovoadas e as praças apenas ganham o brilho dos lugares comuns : aqui uma eleição de miss vindimas, além uma Beja Wine Night e eu , que tenho esta mania de ler o mundo com sentido, fico sentada à janela a ver passar. Tudo passa diz o conto sufi . Tudo passa. Sei que sim, mas qual será o estrago desta passagem.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado...

O meu Pais está cada vez mais pobre. Economicamente mais pobre.Ideologicamente mais pobre. Éticamente mais pobre . A pretexto da crise reduz-se a actividade cultural das cidades, asfixia-se o movimento associativo, tomam-se medidas economicistas em sectores fundamentais - educação , saude - penaliza-se quem vive do seu trabalho. Gere-se o bem público numa lógica inclassificável, criando a ideia que são os funcionários públicos a razão desta crise . Na semana passada os midia divulgavam: " O número de portugueses com uma fortuna pessoal superior a um milhão de dólares (cerca de 814 mil euros) ascendeu a 11 mil no ano passado, mais 600 do que em 2008, segundo dados do estudo «World Wealth Report»,(...) Segundo esta mesma fonte, esta realidade estende-se a todo o mundo ;" os investimentos em «prazer» desses milionários não diminuíram. «Desde o fim de 2009, o mercado das colecções de produtos de luxo como arte, vinhos e carros voltou a crescer, com concorridos leilões na Europa e na América do Norte " OS RICOS ESTÃO CADA VEZ MAIS RICOS E OS POBRES CADA VEZ MAIS POBRES e lembro-me do poeta... ... até parece que foi escrito hoje.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Senta-te aqui...

Senta-te aqui ao pé de mim e ...
Vamos finalmente tratar-nos por tu
Vamos falar dos sonhos, dos teus e dos meus.
Vamos falar de livros , das palavras e dos homens.
Vamos rir até nos doerem as faces e chorar como se não houvesse amanhã.
Vamos partilhar o que acabamos de escrever
Vamos discutir tão alto, que o mundo pare
Vamos perdoar-nos
Vamos olhar o futuro e viver em desassossego
Vamos cantar mesmo que seja desafinado e assobiar hesitantes o Comandante Che Guevara
Vamos falar da cidade de hoje,dos poderes políticos e antever
Vamos assistir a um jogo do mundial
Vamos fazer sopas no molho e falar de boca cheia
Vamos falar de mulheres ... tu e as mulheres!
Vamos falar dos filhos, dos meus e dos teus e da descoberta que é educar
Vamos falar mal de alguém ... só um pouquinho hoje
Vamos fazer planos, muitos planos e projectos e ...
Vamos ser memória , tempo e celebrar...Vamos ser tragicamente humanos e viver!

segunda-feira, 7 de junho de 2010

mais um LOGRO na educação!

A Ministra da Educação anunciou medidas extraordinárias que permitem que, alunos de 8º ano, com mais de 15 anos transitem para o 10ºano. Com exame é claro! - e declara: - não é uma medida facilitista. EXTRAORDINÁRIO!
Não é facilitista nem é nada ... é um LOGRO!
... porque é injusta para com os alunos que cumprem, investem, se aplicam!
... porque significa mais uma perda de legitimidade dos docentes!
... porque torna mais difícil justificar que o trabalho e o esforço compensam!
... porque prostitui o significado do que deve ser a ESCOLA !
... porque é demagógica e tenta iludir o que realmente é preciso fazer para conduzir estes alunos ao sucesso !
Abro os olhos . Fico atenta e canto... !
Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte
Natália Correia - Queixa das almas jovens censuradas

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Carros de luxo no Parlamento

Nem quis acreditar...

Sempre fui uma mulher de esquerda.
Sempre acreditei na nobreza da política.
Sempre acreditei no trabalho que fazia.
Sempre defendi o poder autárquico democrático pela importância da sua proximidade com as populações.

Sempre acreditei que um dos maiores ganhos de Abril foi a representatividade parlamentar e que os deputados eram o garante da vida democrática.
Sempre acreditei nos valores de Abril !
… mas hoje … quando vejo a incoerência de quem propagandeia a crise nacional nos media e nos afronta com notícias como a que refere o milhão de euros gastos na aquisição de carros para os nossos representantes, tenho dúvidas na democracia que sonhei , no País de Abril que sempre me norteou os dias.

Descobri no outro dia , consultando o Diário da Republica, que a 10 de Fevereiro deste ano, os deputados que todos elegemos,do Cds-PP ao Bloco de Esquerda, aprovaram o orçamento da Assembleia da República, no valor de 191 milhões e quinhentos mil euros.
Sinto-me insultada!

Conheço a crise - quem trabalha no interior e entra a meio da semana numa aldeia, às 3 da tarde e vê dezenas de jovens sentados nas soleiras das portas de cerveja na mão, quem trabalha com crianças cada vez mais pobres , mais desprotegidas, mais condicionadas na voz, no gesto e no olhar; quem conhece tantos velhos a viver da esmola dos vizinhos, abandonados pelos poderes públicos , tentando fazer render uma reforma miserável - conhece bem a crise e tem dúvidas, muitas dúvidas sobre a natureza humana e a nobreza da política.Conheço a crise dentro da minha casa, onde cada vez é mais difícil fazer frente às despesas de todos os dias e justificar aos filhos porque é importante trabalhar dignamente e servir a causa pública.

Trabalho numa autarquia em crise. Escutei durante a última campanha eleitoral ecos que falavam da centralidade de minha cidade, falavam de mudança, da afirmação da cidade no país e hoje vejo amputarem-se os orçamentos dos equipamentos culturais da cidade, usando o argumento da crise para atingir de morte tudo aquilo que culturalmente a prestigia a nível nacional e internacional. Vejo executivos Municipais a definir agora medidas de austeridade, depois de terem votado para si cartões de crédito de 900€ logo aumentados para 1200€ mensais ( e até nem é pelo valor, mas por aquilo que simbolicamente isso significa) vejo presidentes invisíveis e figuras de segundo plano, déspotas, a gerirem o bem público como se fosse uma mercearia.

Olho à minha volta e vejo uma rede de leitura pública em estertor, com os bibliotecários colocados na prateleira e bibliotecas públicas a serem geridas por empresas, ou por sujeitos sem formação específica, mas que têm a confiança política dos executivos municipais. Vejo o património das bibliotecas ( o seu acervo ) a morrer de desactualização. Bibliotecas que desde Setembro de 2009 não compram um livro infantil. Vejo equipas reduzidas ao mínimo dos mínimos, desmotivadas, desgastadas por terem sempre que fazer o melhor com cada vez menos, desgastadas pela incapacidade de responder aos seus leitores, de intervirem nas comunidades que devem servir.

Olho para a minha cidade e vejo-a deserta, dividida entre o discurso revanchista e reacionário de quem se identifica com o poder vigente e o discurso demagógico e envergonhado de quem já foi poder. Entre um e outro discurso fica ,a cidade deserta, o mundo rural morto, o movimento associativo manietado,a incapacidade de pensar a cidade para além das cores do "clube" de pertença.

Olho para o meu país e vejo a corrupção, os interesses partidários, os lobys,as medidas penalizantes sobre quem vive exclusivamente do seu trabalho, uma Escola sem perspectiva, um sistema de saúde depauperado, a desertificação do interior, a solidão dos meus velhos, a falta de esperança das minhas crianças.

Vejo-me a mim, cidadã, com 23 anos de funcionária pública, a desacreditar e quase ... quase... a dar-me por vencida.

domingo, 25 de abril de 2010

Tanto Mar - Versão Original

Foi tão linda a festa pá ...

São 19 horas e acordei agora, cansada mas feliz. No dia 23 tivemos casa cheia até às 3 da manhã e a noitada seguiu até às 9 da manhã com a rapaziada dos 10 aos 14. Ontem trabalhamos toda a tarde, a biblioteca a fervilhar com dezenas de crianças e pais... e o Mestre ali... ao nosso lado!
Adormeci cedo ... talvez pelo cansaço...talvez porque não ouvi os foguetes, que no meu concelho, desde sempre, marcaram o dia da liberdade.
E agora acordada quero recuperar a manhã de Abril e ouvir ... Zeca ... e Zé Mario Branco , o Chico e sonhar com o país que poderíamos ser se Abril se cumprisse na integra.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

CELEBREMOS ! ...

Dia 23 de Abril comemora-se um dia importante: o dia do autor. Não só dos autores de livros, mas autores de muitas formas de expressão, música, pintura, gastronomia, do relato do quotidiano.
2 dias depois, comemora-se o 25 de Abril, não apenas da liberdade, mas também do direito, a aprender, o direito à cultura, o direito a conhecer todas as canções de revolta ou embalo. Todas as imagens . Todas as histórias do presente, do passado e do futuro.
Celebramos os autores sempre que os lemos, escutamos, sempre que respeitamos os direitos da sua criação.
Celebramos a liberdade, sempre que utilizamos as nossas Bibliotecas Públicas.
Dia 23 de Abril, faça dois em um. PROCURE A BIBLIOTECA MAIS PRÓXIMA .

Em Beja vai ser tão bom!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Já acreditei...

Já acreditei que por amar o próximo, seria amada pelo próximo.
Já acreditei que o meu trabalho honesto e empenhado, seria compensado pelos leitores e pelos poderes políticos. Não com mais salário, mas com a autonomia para criar, com recursos financeiros ajustados à importância vital do trabalho de formar leitores para LER O MUNDO.
Já acreditei que nunca teria de escrever estas coisas num blogue.

Hoje, resisto todos os dias para continuar a acreditar! Perguntarão porque? Como? Onde vai um funcionário público buscar esse alento?
Não falarei aqui de outra experiencia que não seja a minha e sei onde vou buscar o alento:
Quando vejo um pai e um filho sentados à volta de um livro.
Quando o sorriso de uma criança cigana, ao ler uma história de imagens , me alimenta a esperança de um dia, ser possivel, terminar com ciclo de exclusão que a pobreza - não a etnia - representa.
Quando um poema produzido por um menino de uma aldeia diz: "Eu não gosto quando o pai bate na mãe e ri"
Quando uma jovem estagiária me "chateia" todas as semanas para a ajudar.
Quando um docente me diz que o que lhe proponho, é simples de fazer com o seu grupo , porque eles têm uma grande autonomia leitora.
Quando um velho, de olhar húmido de saudade, responde orgulhoso ao meu pedido e me conta como foi...
É este o alento.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O País que poderiamos ser...

Os jornais e alguns especilistas falaram ontem de funcionários públicos e de lhes baixar os salários.
Isto colhe junto das pessoas:
- Não são mais que os outros! – dizem.
Imaginem que isto vai para a frente…
Eu ganho metade do que ganha, em Espanha,um técnico da minha categoria e ganho bem, se comparar o que ganham as técnicas que trabalham comigo, as funcionárias de limpeza,etc.
Eu trabalho, com a QUALIDADE, com que trabalham outros bons funcionários Públicos, na Europa.

Agora imaginemos que o poder político, uma autarquia por exemplo, tem a liberdade para não tomar esta medida e tem uma estratégia de esenvolvimento local. Que esse executivo, em vez de baixar os salários aos seus funcionários, negoceia para que estes ofereçam mais três horas de trabalho semanal a projectos de desenvolvimento comunitário do concelho, a projectos culturais, que apoiem técnicamente as empresas do concelho, ou as associações, a idosos da sua comunidade, ou...etc.

Imaginem que um excutivo, para ter a receita de que tem falta, dispensa os cartões de crédito, as despesas de representação, as novas viaturas desnecessárias. Coloca as pessoas certas, nos lugares certos, independentemente da cor política ou do grau de proximidade familiar, movido pela missão e por ser técnicamente informado: por saber que um funcionário certo no lugar certo, aumenta a produtividade e reduz a despesa.

Imaginem que um executivo municipal corta no desperdício com critério, pedindo EFECTIVAMENTE o mesmo esforço de contenção a todos.

Estuda com os técnicos a possibilidade de usar os projectos que já existem para potenciar os novos projectos:
- Beja cidade do vinho ??? Ora vamos lá ver o que existe. Vamos pôr os técnicos a encontrar soluções. Não seria possível criar uma exposição de Banda desenhada sobre o vinho? Um festival de narração sobre o vinho? Ciclos de conferências sobre o vinho e a literatura , uma abordagem antropológica do vinho, uma abordagem histórica que falasse dessa arte milenar? Oferecer campos de férias temáticos, que incluíssem o trabalho com a terra, onde famílias pudessem experimentar a prática da apanha, o tratamento da vinha. Onde se pedisse aos grupos de teatro local que em troca dos apoios, tivessem que produzir arte, a partir do trabalho de recolha de memória social com os nossos velhos das comunidades rurais? Actividades, onde subvertendo a lógica, mais ou menos moralista da prevenção ao consumo de álcool, se possibilitasse aos jovens adultos das nossas escolas, a relação com o especialista, o escanção , o químico , convidando-os a que partilhar a sua forma de ver, de trabalhar e também porque não, de provar o vinho. Onde se formassem públicos também para o vinho.

E imaginem... que havia empresas que, uma a uma ,seguiam este caminho, para todos os seus quadros, do topo à base: decidindo que os lucros das maiores empresas reverteriam para o trabalho social das igrejas, das associações, das fundações,das IPSS, dos bancos de voluntariado nacionais.

Imaginem que o governo baixava os impostos às pequenas e médias empresas que recebessem, integrassem e mantivessem a contrato durante 4 anos, uma pessoa que estivesse desempregada, ou a receber Rendimento Social de Inserção. Imaginem ... cada pessoa integrada, a ser efectiva e tecnicamente acompanhada e tivesse de aumentar a sua escolaridade, participar na vida da sua comunidade, tivesse que repensar o seu projecto de vida, condições sem as quais sofria a suspensão dos apoios do país.

Imaginem o país que poderiamos ser,se alguém ousasse!

A Planície e o Cante

O que mais me espanta neste Alentejo Estrangeiro, é a sua serena solidão e a permanente companhia da grande Senhora. O Cante será talvez a forma de expressão de quem tem de combater a solidão e a planura da planície, o recado para que nunca nos esqueçamos de que viemos à terra e a ela vamos retornar.

Eu sou devedor à terra
A terra me está devendo
A terra paga-me em vida
Eu pago à terra em morrendo.

Este ano, a grande Senhora, teve uma boa safra.
Num ano levou-me dois …
Um partiu lento, invadido pela a única besta que não conseguiu vencer – o cancro …e olhem que lutou com todas as grandes bestas da cidade onde viveu, onde deixou OBRA FEITA.

O outro partiu de sopetão, implodido por dentro, imagino que pela tristeza de se sentir tratado sem respeito, como uma máquina, ele que, como professor , iluminava a vida de quem jamais conseguirá escutar o cante, para escapar à solidão.

Tinham uma coisa em comum: ERAM FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS E DEIXARAM UM LEGADO

Funcionária publica

Chamo-me Cristina Taquelim e sou FUNCIONÁRIA PÚBLICA.
Entrei na NET com uma ideia: Fazer um blogue onde se possa contar o dia a dia de uma funcionária publica. .. vejam o milagre ... o nome do blogue estava disponivel .

Porque os dias andam cinzentos e sem utopias e é preciso que cada funcionário público , sinta que é possível dizer em voz alta que é FUNCIONÁRIO PÚBLICO.

Porque tem de haver um lugar onde os não alinhados tenham voz.

Porque tem de haver um lugar, onde se possa estar, fora da sombra de partidos, de rádios locais, de grupos de amigos. Um lugar onde se possa estar à sombra das ideias.

Porque trabalho com aquilo que distingue o homem das bestas : a capacidade de CRIAR.

Porque sou funcionária publica e tenho um sentido de serviço público.

Porque sou uma PESSOA.