domingo, 29 de dezembro de 2013

Carta a Bartolomeu

Carta a Bartolomeu

Caro Bartolomeu lembrei-me de si no outro dia, a propósito do que anda a acontecer com as novidades editoriais, misteriosamente desaparecidas dos escaparates das Bibliotecas Públicas Portuguesas. De vez em quando somos surpreendido com um título desconhecido - porque se mudou de lugar, ou prateleira - mas novidades, novidades, nem vê-las. Resolvi experimentar na biblioteca m
ais próxima, a de Beja, com Marabília, o livro de Teresa Meireles, recentemente editado. Uma “ belezura de livro”, dirá o meu amigo quando o ler.

Quem me atendeu foi um rapaz simpático. Referenciou no catálogo os livros que tinham da autora, uma longa lista e também os pedidos de reserva e informou com modos de desculpa:
- Esse exactamente, Marabília, não está disponível. Mas a espera é pequena, um mês e picos. Posso também tentar um empréstimo inter - bibliotecas? - sugeriu sorrindo - mas se a senhora gosta desse Universo, posso sugerir-lhe … escutei nomes familiares e agradeci a gentileza. Vê-se que teve bom mestre:
- O leitor vem comprar riscado e se não tivermos o riscado, mostramos o que temos: o xadrez, as pintas , o estampado de flores a serrapilheira e… se nada servir, pede-se emprestado, encaminha-se … mas o leitor tem de sair da Biblioteca com uma resposta. - dizia o Mestre dos Mestres da leitura pública.
- Pode imprimir a lista do que está disponível da autora?- pedi-lhe insistente.
- Gostaria muito minha senhora, mas temos as impressoras fora de serviço e não tenho previsão de uma solução. Posso no entanto, assim que recuperar o sistema informático, enviar por email, para a menina das fotocópias e ela imprime dali, ou para o seu email pessoal.
– E já têm o livro do Afonso Cruz ? O “ do Cultivo das Flores de Plástico – perguntei decidida em aprofundar a experiência e já agora também, em matar aquela necessidade de leitura urgente, em ultrapassar a assimetria que representa viver na província, em ter uma resposta local para as minhas necessidades culturais, em conseguir aceder gratuitamente ao que não posso pagar, em levar o livro na hora!
– Pois esse também ainda não temos - respondeu delicadamente - mas posso enviar-lhe um email assim que estiver disponível?
Ele sabe, que em tempo de vacas magras não sobra muito dinheiro para a compra de livros, que em bolsa contada não há devaneios, e que as bibliotecas podem ter um papel fundamental na democratização do acesso à fruição cultural. Teimosamente insiste em fazer a sua parte :
- Temos todos os outros que o autor escreveu? Podem é estar fora. - Vê no computador e parte na direcção da estante, volta cansado, mas triunfante … aposto que este ainda não leu?

Dizem-me que nos últimos tempos é assim em muitas bibliotecas: aquisições de novidades com atrasos (entre seis meses, um ano, ou dez) dificuldade em adquirir serviços, programação escassa, centralizada, coordenadas por quem sabe pouco de leitura e/ou gerida por empresas exteriores, ares condicionados avariados, parque informático em mau estado. Dizem-me que por todo o lado as bibliotecas perdem espaço, na vida dos cidadãos e na vida das autarquias. Muitos bibliotecários, com dezenas de anos de trabalho e experiência, são tratados como se nada tivessem para dar novas politicas culturais: as serão executadas nos próximos quatro anos de mandatos eleitorais. As Bibliotecas que conseguem aguentar-se, tem normalmente equipas notáveis de funcionários, como o que me atendeu. Mas estão cansadas.

Recordo que em 2006 me disse, ou se não disse foi isso que eu percebi com o seu acento minerinho, que as bibliotecas são sempre o retrato do poder que as administra, do grau de exigência dos seus leitores mas sobretudo na genialidade e dedicação das suas equipas: - Se você quer conhecer a natureza de um político, a sua visão, visite as bibliotecas que dele dependem. Meninaaa! O Poder nem sonha a força que têm as Bibliotecas na mudança do Mundo. Se soubesse cuidaria melhor delas: das bibliotecas, dos leitores e das equipas.
Só o meu amigo para dizer esta frase!
Tenho saudades suas Bartolomeu e mando-lhe um abraço! Quando puder veja o que postei  propósito desta carta. Taquelim
 

domingo, 15 de dezembro de 2013

e já agora a propósito da carta.a Bartolomeu...

 


Vem este post a propósito do fim da comissão de serviço da Chefe de Divisão de Bibliotecas Maria Paula Santos e da decisão legítima do novo executivo, decisão que conheci no dia em que foi publicamente anunciada no boletim municipal electrónico, disponível para consulta pública em :http://www.cm-beja.pt/docs/PDFs/Documentos/Boletim_electronico/05/Despacho_Chefe_DE_e_resp_DB_-_29NOV2013.pdf ) - edição nº 5/2013.  Diz o despacho:





Não usarei estas linhas para fazer apreciações de carácter, sobre quem tomou a decisão ou lançar na praça pública assuntos que antes devem ser tratados na privacidade das organizações. Não tocarei em nomes. Tenho para cada um dos envolvidos deveres institucionais e de lealdade pessoal. Tenho um compromisso para com os leitores e não leitores com quem trabalho. Tenho deveres para com a equipa que integro e que todos os dias dão seu contributo para a criação de um HOMEM NOVO, aquele que - como dizia Bento de Jesus Caraça - tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence; tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano; o que faz do aperfeiçoamento do seu ser interior a preocupação máxima e fim último da vida.” (acho que usei esta frase num post antigo, a propósito de uma outra comissão de serviço , num outro equipamento cultural - aqui nesta etiqueta ( entre linhas)?

Tenho também deveres de consciência e por isso não me posso demitir de expressar publicamente que, apesar de reconhecer a legitimidade de quem assim decide, apesar de reconhecer total legalidade na decisão, discordo em absoluto com a forma como todo o processo foi gerido e também com a decisão tomada. Por isso deixo público, o meu comentário de funcionária pública, sobre uma decisão que é pública. Internamente, se me for dada tal oportunidade, comentarei o processo.

Também sei que existem outros enquadramentos legais, para esta situação e que outras soluções igualmente legais seriam possíveis. Soluções que garantissem o maior envolvimento da Biblioteca, através da sua representante directa, nos fóruns técnicos, onde se reflectem, discutem, questionam, fundamentam e apoiam, as decisões e a execução das políticas culturais do concelho.
 
Lamento o facto desta decisão, ter sido tomada em relação a um quadro dirigente de uma equipa que sempre deu provas, mesmo nas condições mais adversas. Uma equipa que nestes 20 anos de existência, não parou de encontrar novas soluções para novos problemas. Veja-se o que foi manter a biblioteca a funcionar, nos últimos anos, num quadro económico e social de grandes fragilidades, encontrando respostas para problemas de diferentes naturezas, identificando formas de trabalhar com baixos custos, concorrendo com projectos para encontrar financiamentos, realizando ainda as, por muitos consideradas, melhores Palavras Andarilhas de sempre. 

Lamento também o desperdício, pois a dirigente tem uma notável capacidade de trabalho, formação especializada na área da gestão autárquica, na área do planeamento e gestão documental, prestigio no meio e parece-me que qualquer novo executivo ganha em ter por perto gente que sabe e se dedica, mesmo que nem sempre concorde. Poder contar com técnicos que garantem com empenho, o trabalho que é feito num equipamento cultural, parece-me uma arma poderosa. Poder contar com um equipamento que possa ser o rosto de uma política cultural de qualidade num qualquer território, é um privilégio. E acho que já tenho tempo de casa suficiente para dizer, com alguma segurança que todos os executivos contaram desde a primeira hora com esta biblioteca. Foi assim com Carreira Marques, com Francisco Santos, com Jorge Pulido Valente. Os executivos e o Concelho.
Lamento que, existindo uma solução de coordenação de proximidade, conhecedora dos processos em curso, dos procedimentos, das rotinas em áreas técnicas especificas, das soluções já experimentadas, disponível para trabalhar com TODOS, não se tenha optado por manter a dirigente a coordenar a equipa, à semelhança de outros dirigentes que coordenam equipas sem serem chefes de divisão, possibilitando: acesso privilegiado à informação, mais eficácia na resposta e a possibilidade da Biblioteca participar na reflexão e discussão das questões sócio- educativas e culturais do concelho.

Lamento-o também, por considerar uma decisão profundamente injusta. Conheço a Paula Santos, há muitos anos, nos últimos cinco anos como minha superior hierárquica. Nem sempre concordamos, por vezes empinamos cristas, mas aquilo que nos une é infinitamente maior do que aquilo que nos separa. Reconheço-lhe alguns defeitos mas muitos mais méritos e um deles é nunca voltar a cara à borrasca e insistir, e argumentar, e pressionar para se encontrar uma solução para o elevador, para o ar condicionado e batalhar para que a máquina não pare, as impressoras funcionem, as novidades entrem na estante, que a programação faça sentido com o que andamos a fazer no terreno, para se responder com qualidade às necessidades dos leitores, para que se encontre uma solução informática estável e integrada para servir melhor os utilizadores e melhores condições de trabalho aos técnicos. Numa luta permanente para que a Biblioteca não perca centralidade, na vida da organização e na vida das pessoas, dos cidadãos.

Durante estes últimos anos aposto que passaram muitas vezes, depois da meia noite na Rua da Biblioteca, mas tenho a certeza que poucos olharam para a varanda. SE OLHASSEM , VERIAM , uma luz aberta pela noite dentro. Como no tempo do Mestre, a luz daquele gabinete é quase sempre a última a se apagar.

Espero que esta decisão se deva apenas a uma precipitação, um desajeitamento, fruto do turbilhão de decisões que tem de ser tomadas. Espero... e mais não direi sobre o assunto! Por aqui me fico, nos ficamos, continuando a trabalhar clássicos quando não há novidades, continuando a pensar e repensar como fazer mais tendo cada vez menos; a motivar equipas que há anos estão em perda salarial e de direitos de trabalho. Continuando a semear, como é nossa obrigação, trabalhando todos os dias para a missão maior das Bibliotecas: construir comunidades.

Devia este post à minha consciência e à Paula Santos.